O cinema é repleto de simbolismos que formam referências imagéticas em nossa cultura. Ao pensarmos sobre determinados assuntos, acabamos tomados por imagens que aparecem repetidamente na memória. Mas afinal, de onde vieram? 

Pense no cientista maluco, por exemplo. Como ele é e onde ele está? Você deve ter uma imagem. Algo como cabelos brancos desgrenhados, semblante tenso e olhos injetados. Um avental esvoaçante que deveria ser branco e seu rosto é de uma palidez evidente. Ele corre e gargalha, observa atônito e ansioso o resultado de sua mais nova invenção. Seu local de trabalho? Um laboratório onde um conjunto de raios iluminam vapores coordenados. Borbulhas em balões de ensaio são interligados por uma labiríntica tubulação transparente, que o cientista acompanha ao caminhar pelo recinto. Ele é um misto entre uma criança e um deus, uma racionalidade assustada e ensimesmada. Pareceu comum esta figura?
 
Se você já viu “De volta para o Futuro” (EUA, 1985) você sabe do que estou falando. O Dr. Emmett Brown interpretado por Christopher Lloyd é exatamente a figura do cientista, buscando o funcionamento do “capacitor de fluxo” – aquele aparato em forma de ípsilon que permitiria a viagem pelo tempo. Talvez você se lembre de “Independence Day” (EUA, 1996), um blockbuster no qual os alienígenas invadem a terra e são combatidos pelo Will Smith e pelo Bill Pullman. Lá você também pode encontrar a imagem desta figura das ciências (o Dr. Okum, vivido pelo ator Brent Spiner, o antigo Data do televisivo “Jornada nas Estrelas”), embora em um papel menor na trama. 
 
Mas talvez a origem dessa figura icônica esteja mesmo no clássico “Metrópolis” (Alemanha, 1927), de Fritz Lang. No longa de características expressionistas e de apelo futurista, o Dr. Rotwang é o grande criador do robô que imortalizou a figura do androide nas telonas. A cena da transferência da aparência de Maria para a mulher-máquina nada mais é do que o prelúdio dessa narrativa do cientista em seu laboratório. Essa figuração se repetiria em 1931 com o endiabrado Dr. Henry, vivido por Colin Clive no filme “Frankenstein” (EUA, 1931). Daí para as diversas versões em terror, humor e aventura foi um pulo… Ou um raio saído de um aparato científico qualquer. 
 
Não se pode dizer que o filme seja exatamente de uma tendência futurista, pois a vanguarda de Marinetti – Felippo Marinetti, poeta italiano, quem começou o movimento com a publicação do Manifesto Futurista – trabalhava a favor da mudança, buscando o futuro como a solução para o presente. Em “Metrópolis”, o futuro (agora um tão próximo 2027) é figura máxima da exclusão social, da opressão e da miséria humana por conta da utilização desumanizada das máquinas. 
 
Fato é que o Dr. Rotwang centraliza nossa noção de um cientista maluco. Ele é branco, seus cabelos são relativamente longos e esvoaçantes e seus tenebrosos olhos nos apontam para um criador impiedoso e disposto a qualquer atitude para fazer prevalecer a ciência. Seus aparatos estão todos em movimento e ele também se movimenta freneticamente com seu sobretudo (futuro avental). Depois de Rotwang, a imagem foi sempre referencial – a meu ver.
 
Sempre que mostro trechos de “Metrópolis” a meus alunos eles se impressionam. Riem um pouco dos recursos visuais, mas quando informo que o filme é de 1927 eles abrem as bocas em descrença. “Como eles faziam isso se não havia nem som?”. Utilizo-o para ilustrar as vanguardas modernas no cinema, trazendo o filme como mostra da passagem do expressionismo para o futurismo, mas advertindo-os sobre a diferença entre o futurismo nas artes plásticas e a visão de Fritz Lang.
 
É interessante notar como é possível fazer enormes pontes entre a visão de Lang e uma diversidade de outros filmes ligados ao universo da ficção científica. À frente de seu tempo, o diretor deixou um legado que está na nossa memória coletiva mesmo para quem nunca viu “Metrópolis”. E vanguarda é exatamente isso: a guarda avançada, primeira a dar combate e a tombar no campo de batalha, mas da qual somos herdeiros diretos.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Ricardo A. B. Lourenço

Ricardo Lourenço é bacharel em Direito, licenciado em Filosofia e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Atua como professor de Educação para as Mídias e Filosofia para o ensino médio, e trabalha com a difusão de cineclubes em escolas.

Subscribe
Notificar-me de
0 Comentários
mais antigo
mais novo mais votado
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.