Dos anos iniciais do ensino fundamental ao ensino médio, a música pode ser uma grande parceira na aprendizagem de matemática. “Um exemplo é a experiência de Pitágoras com o monocórdio, um instrumento de madeira com uma única corda. Este ajuda a contextualizar o ensino de frações”, exemplifica o matemático, músico e mestre em educação pela Universidade de São Paulo (USP), Fernando Barnabé.

Docente da educação básica, ele começou a trazer a música para as aulas após lecionar para uma turma de sétimo ano na qual havia pouco engajamento. “As atividades musicais ajudaram a aproximar os estudantes do conteúdo”, relembra. A experiência se transformou na dissertação “A melodia das razões e proporções: a música sob o olhar interdisciplinar do professor de matemática” (2011). Confira as dicas do especialista para aliar as duas áreas nas aulas:

Qual a relação da música com a matemática?

Fernando Barnabé: Essa conexão, no ocidente, data da Grécia Antiga. As fundamentações do que conhecemos hoje se iniciaram com Pitágoras. Ele desenvolveu o monocórdio, um instrumento de madeira com uma única corda. A partir de razões e proporções, o pensador pressionava partes diferentes da corda e analisava como elas vibravam. Foi o começo das escalas musicais. Depois, podemos citar o compositor Johann Sebastian Bach, que, no século 18, estudou as simetrias das notas musicais nas partituras. Na sequência, temos os estudos das frequências e ondas sonoras, pela matemática e física.

Para Fernando Barnabé, atividades musicais ajudam a aproximar os estudantes do conteúdo (crédito: arquivo pessoal)

Como ela pode ser utilizada no ensino da matemática?

Barnabé: O primeiro passo é não confundir o uso de música com paródias de canções famosas, para ajudar alunos a memorizarem fórmulas. Falar sobre a experiência do monocórdio de Pitágoras, por exemplo, ajuda a contextualizar o ensino das frações. Ou pensar sobre a relação das partituras com as frações do tempo – algo que já foi questão no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Esses exemplos ajudam a explorar as relações matemáticas partindo de conteúdos como razão e proporção até funções trigonométricas.

Como esse diálogo pode ser realizado nos anos iniciais do ensino fundamental?

Barnabé: Indico o monocórdio de Pitágoras. O instrumento pode ser elaborado com um pedaço de madeira e uma corda de violão ou fio de nylon, esticada e pregada nas suas pontas. Sugiro colocar uma caixa de sapato por baixo, para o som ter espaço para vibrar. O professor vai pressionando as frações da corda e mostrando a diferença de vibração em 1/2, 3/4, entre outros. Utilize um cavalete ou pedaço de madeira para marcá-la e pressioná-la. A segunda alternativa é analisar, com os alunos, partituras musicais e as simetrias que nela aparecem. São observados os locais onde sequências de notas se repetem, podendo alternar a altura ou o tempo de cada uma. Tanto Bach quanto o musicista brasileiro Arrigo Barnabé deixaram perceptíveis tais simetrias em suas composições. Estas sequências replicadas podem ser percebidas, por exemplo, na música “Office Boy”, de Arrigo.

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Como esse diálogo pode ser realizado nos anos finais do ensino fundamental?

Barnabé: Pode-se falar de múltiplos e divisores ou mínimo múltiplo comum (MMC) a partir de atividades usando ritmo. O professor, por exemplo, faz a contagem em voz alta, do número um em diante. Os alunos, por sua vez, são divididos em dois grupos. O primeiro, bate palmas em um intervalo de dois em dois. O segundo, no espaço de três e três. A atenção fica para os momentos em que os grupos baterão palmas juntos, ou seja, quando se encontram. Para explorar a noção de ritmo em uma dinâmica mais lúdica e com a ideia de marcações, indico também usar canções da banda Barbatuques, como “Baianá”. Ela pode servir de base para a turma sobrepor a definição a partir da contagem proposta.

E no ensino médio?

Barnabé: Nesse segmento, o diálogo é com a física. Tubos sonoros e cordas vibrantes ajudam a explicar a frequência das ondas. Para esclarecê-las, usam-se funções trigonométricas.

O docente de matemática precisa entender de música para explicar a relação das duas áreas?

Barnabé: Não. Claro que se ele entender será mais fácil, mas não precisa ser um expert. Para falar sobre a simetria, basta selecionar uma partitura e olhar onde os desenhos se repetem. Uma dica é fazer uma parceria com o professor de artes, se este possuir formação musical poderá ajudar a explorar na partitura, por exemplo, a função dos símbolos relacionados ao tempo de cada nota e a relação da duração de uma com a metade da outra. Como a “mínima”, que tem duração do dobro do tempo da “semínima”.

Quais filmes e documentários podem ajudar a compor uma aula aliando ambos os temas?

Barnabé: “Donald no país da matemágica” é um clássico da Disney, de 1959, que mostra essa relação, incluindo uma cena em que o personagem bate um papo com Pitágoras sobre a estrutura da música ocidental. Indico ainda a série “Arte e Matemática”, produzida pela TV Cultura com o professor da Universidade de São Paulo (USP), Luís Barco. São 13 episódios em domínio público, disponíveis online gratuitamente.

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