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Primeiro livro publicado por Carlos Drummond de Andrade, em 1930, “Alguma Poesia” é uma das novidades na lista da Fuvest para o vestibular de 2022. A obra de estreia do poeta itabirano já apresenta as marcas da literatura que produziria ao longo da vida. “Ele já é um livro bastante maduro. Drummond já demonstra uma grande familiaridade com o gênero poético. ‘Alguma Poesia’, por exemplo, apresenta uma grande liberdade formal, influências das vanguardas artísticas europeias, como o Cubismo, o Futurismo e o Surrealismo”, afirma a professora de gramática e literatura no Anglo Vestibulares e no ensino médio, Adele Grostein.

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Estreia brilhante

Considerado um dos principais representantes da literatura em língua portuguesa, Drummond tinha apenas 28 anos quando esse livro foi lançado. Versos que estão no inconsciente coletivo, presentes em “Poema de sete faces”, “Infância” e “No meio do caminho”, só para citar alguns, já indicam marcas advindas do convívio com representantes que estiveram envolvidos na Semana de Arte de 1922.

“A gente nota, nesse livro, muitas características pregadas pelos poetas dessa geração do Modernismo: traços como versos brancos (sem rima), o verso livre, a oralidade, temas cotidianos; até traços de humor e ironia, que são elementos que apareceram na Semana de Arte Moderna, por esses poetas, que influenciaram muito a escrita de Alguma Poesia”. No áudio, além da análise da professora, você ouve também a leitura do próprio escritor para um de seus poemas (“Quadrilha”) e a participação do ator Fernando Silveira, que interpreta Drummond no monólogo “O Caminho das Pedras”.

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Transcrição do Áudio

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Adele Grostein:
Ler a obra “Alguma Poesia” é conhecer o livro de estreia de um poeta extremamente humano, que sempre esteve atento à sociedade e ao tempo em que vivia. Um poeta que mudou de ideia, que não escreveu sempre da mesma forma, nem sempre sobre os mesmos temas. E recriou, esteticamente na sua poesia, muitas de suas experiências pessoais e é essa humanidade de Carlos Drummond de Andrade que permite que todos os tipos de leitores se identifiquem com a sua obra.
O meu nome é Adele Grostein, eu sou professora de gramática e literatura em curso pré-vestibular e ensino médio.

Vinheta: Livro Aberto – obras e autores que fazem história

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Carlos Drummond de Andrade tinha apenas 28 anos de idade quando publicou a obra “Alguma Poesia”. A pequena tiragem contou com apenas quinhentos exemplares e foi lançada em 1930. Apesar de ser o livro de estreia do poeta mineiro, nele já estão alguns de seus textos mais conhecidos, que neste Livro Aberto surgem nas vozes do próprio escritor e também do ator Fernando Silveira.
A professora de literatura do Anglo Vestibulares, Adele Grostein, cita em que contexto “Alguma Poesia” foi lançado.

Adele Grostein:
Essa obra possui muita influência da primeira geração modernista de 22, da Semana de Arte Moderna. E a gente nota, nesse livro, muitas características pregadas pelos poetas dessa geração do Modernismo: traços como versos brancos (sem rima), o verso livre, a oralidade, temas cotidianos; até traços de humor e ironia, que são elementos que apareceram na Semana de Arte Moderna, por esses poetas que influenciaram muito a escrita de “Alguma Poesia”. Apesar de esse ser o livro de estreia do Drummond, ele já é um livro bastante maduro. Drummond já demonstra uma grande familiaridade com o gênero poético. “Alguma Poesia”, por exemplo, é um livro que apresenta uma grande liberdade formal, influências das vanguardas artísticas europeias, como o Cubismo, o Futurismo, o Surrealismo…

Som de página de livro sendo virada

Leitura de Carlos Drummond de Andrade para “Quadrilha”
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história

Som de página de livro sendo virada

Adele Grostein:
“Alguma Poesia” tem uma grande diversidade temática. Ela trata de muitos assuntos, mas a gente pode destacar alguns que são mais frequentes. É um livro que contém 49 poemas em que Drummond fala da sua relação com o espaço, seja o espaço provinciano, do interior de Minas Gerais, onde ele nasceu, seja do Brasil como um todo. O amor também é um tema frequente nesse livro, a metalinguagem, a reflexão sobre o próprio fazer poético, sobre a própria escrita.

Som de página de livro sendo virada

Fernando Silveira:
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra

Música: “No meio do Caminho” (Drummond), com Reynaldo Bessa

Adele Grostein:
Ao estudar um livro de poesia é muito importante a gente prestar atenção na forma dos poemas. E é importante a gente notar também uma relação entre a forma e o conteúdo. Em todo texto vai haver uma relação entre forma e conteúdo de forma mais ou menos evidente. E aqui a liberdade formal que o Drummond pratica em “Alguma Poesia” é bastante adequada aos temas cotidianos que ele aborda, a linguagem bastante coloquial, a oralidade. Ao responder uma questão sobre uma obra de poesia é muito importante também a gente notar a relação que ela estabelece com o contexto em que foi escrita. Esse livro, por exemplo, recebe muita influência da primeira geração modernista, o que explica, de certa forma, a liberdade formal que o Drummond pratica nessas poesias.

Som de página de livro sendo virada

Fernando Silveira:
Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Carlos, vai ser gauche na vida
As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres
A tarde talvez fosse azul
Não houvesse tantos desejos
O bonde passa cheio de pernas
Pernas brancas pretas amarelas
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração
Porém meus olhos
Não perguntam nada
Mundo mundo vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é meu coração

Som de página de livro sendo virada

Adele Grostein:
O “Poema de Sete Faces”, primeiro texto do livro, começa com uma estrofe que diz:
Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida
Gauche é uma expressão utilizada nesse poema que ficou muito famosa pra caracterizar, descrever a poesia do Drummond, o eu lírico que Drummond cria em seus poemas. Gauche é uma palavra do francês que significa ‘esquerdo’. Na poesia de Drummond, gauche se torna um sinônimo de um indivíduo torto, desajeitado, inadequado ao contexto em que vive; um indivíduo repleto de conflitos e inquietações. E essa ideia do ‘gaucheismo’, desse indivíduo que parece não muito ‘adequado’ ao mundo em que vive, vai aparecer em diversos momentos da obra do Drummond.

Marcelo Abud:
A professora explica e lê outro poema que está no livro de estreia de Drummond.

Adele Grostein:
“Sentimental” é um poema de “Alguma Poesia” que trata de um tema universal: o amor, que aparece em toda a história da literatura, de todas as línguas. Só que Drummond não trata o amor numa perspectiva tradicional, romântica ou idealizada. Ele traz o sentimento amoroso pra uma cena extremamente cotidiana. A gente deve notar nesse poema também a liberdade formal, a presença do discurso direto, da oralidade, de versos livres e brancos, e a brincadeira com outros gêneros textuais. E a gente nota aí a grande influência da primeira geração modernista.

Som de página de livro sendo virada

Adele Grostein:
Sentimental
Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

– Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando…
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
“Neste país é proibido sonhar.”

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
“Alguma poesia” antecipa características que estão em toda a obra do poeta itabirano: lirismo, humor, ironia, observação de fatos cotidianos, reflexão sobre amor e morte.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

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Mr. BORBA
2 anos atrás

Parabéns pelo episódio maravilhoso sobre Drummond. Cheguei na obra do Drummond através do livro “Maquinação do mundo” do escritor José Miguel Wisnik. Em Maquinação do mundo Wisnik percorre a obra de Drummond e a história da mineração naquilo que diz respeito ao poeta. O “Rosa do Povo” é meu preferido. Também faço meus ensaios e tentativas poéticas heheAbração
Blog: https://blog.marceloborba.com/

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