É esperado que a escola contribua com a formação ética dos alunos. Para isso, porém, os professores precisam estar preparados para tratar do assunto. Em dissertação de mestrado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Tiffany Naomi Motomatsu estudou a formação inicial do professor nesse campo. No trabalho defendido este ano, ela analisou as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia, a grade do curso em três universidades públicas e entrevistou os gestores dessas instituições. A conclusão foi a ausência do tema ética profissional em todos os documentos, que tampouco apresentavam o que entendiam pelo termo.

“É necessário abrir discussão para que a ética profissional deixe de ser associada a um simples código de ética e seja compreendida como um processo de reflexão sobre a atuação docente”, destaca a pesquisadora. Sua conclusão é similar à da doutora em educação pela Universidade de Lisboa e docente da pós-graduação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte Sheyla Maria Fontenele Macedo, que defendeu tese de doutorado sobre o assunto em 2018. “A ética profissional é uma lacuna na formação do professor. Não a assumimos enquanto componente curricular disciplinar. São raros os cursos que a implementaram em seus projetos pedagógicos”, explica ela, que é autora do livro “A ética profissional e a educação” e do projeto “Ética na escola”.

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Macedo buscou compreender porque a ética profissional, tão abordada em cursos de medicina, enfermagem e direito, por exemplo, sumiu das licenciaturas. “Entre os fatores estão a própria formação do professor que ministra a disciplina nas graduações e faz com que essa se restrinja a personagens da filosofia. E o fato dos cursos não a entenderem como componente da identidade do professor”, acredita.

Mesmo quando a ética profissão se encontra na grade da formação inicial, nem sempre ela cumpre sua função. “Pode se transformar em imperativos normativos e moralizantes e não assumir a reflexão crítica, que é peculiar à ética”, adverte a docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Lidiane Rodrigues Campêlo da Silva.

Exemplo e prática educativa

A associação da ética profissional como código de conduta está no uso errôneo de “ética” e “moral” como sinônimos. Segundo Silva, a confusão pode estar na etimologia das palavras. “Há uma aproximação dos radicais grego ‘ethos’ e latim ‘mores’ que dão origem aos respectivos termos. Eles significam ‘costume’”, indica. “Ética, entretanto, é um ramo da filosofia que toma a moral como objeto de estudo. É uma reflexão sobre os aspectos morais”, diferencia Silva.

Macedo esclarece que a ética trata do âmbito individual e a moral vale para o grupo. “A moral impinge valores restritos ao espaço social. Por exemplo, há sociedades que tem como valor moral aceitar homens poligâmicos. Já a ética não é determinista e não afirma o que é certo ou errado sobre um valor moral, mas o questiona. É reflexão sensível”, explica. A ética é ainda entendida como condição humana e estado do ser. “Não é uma bagagem que carregamos, como quando se diz: ‘fulano tem ética’”, ilustra Macedo.

Confira: Informe NET Educação: a participação do jovem e a Ética

Já o ensino da ética tanto na formação inicial do professor quanto na educação básica com os alunos pode ocorrer pelo exemplo. “A ética profissional é a ética pessoal aplicada em situações da profissão. Não se trata de ditar normas. Antes de exigir uma conduta ética do outro, o professor deve ser exemplo daquilo que ensina. Ou seja, contribuir com a formação ética significa “ser’”, pontua Macedo. “Paulo Freire arremata essa discussão ao dizer: é preciso corporificar a palavra pelo exemplo”, completa Silva. Além do exemplo, a ética também é ensinável de forma intencional. “Pode e deve ser trazida como prática pedagógica”, ressalta Macedo.

Oportunidade de ensino

Sem a presença da ética profissional nas graduações e licenciaturas, cada docente a exerce conforme a educação recebida em casa na infância ou em instituições que frequentou. “Se a pessoa teve uma formação ética robusta, será capaz de transpor ‘em partes’ tal aprendizado para situações do cotidiano profissional. Mas terá ela condições de compreender e agir assertivamente diante de dilemas, como quando um aluno questiona se a legalização das drogas, do aborto, da eutanásia são posturas éticas?”, questiona Macedo.

Para ela, boas oportunidades do ensino da ética como prática educativa ocorrem durante o estágio supervisionado na formação inicial do professor. “Quando o pedagogo ouve um aluno dizer que vai se defender batendo, pode conduzir esse educando às suas próprias reflexões sem cair em dogmas e respostas prontas”, exemplifica. “Caso contrário, perde-se a oportunidade de apresentar fatos históricos e sociais onde o conflito não foi resolvido pela violência, mas pelo diálogo”, conclui.

Veja mais:

Plataforma oferece curso online de ética gratuitamente

Atualizada em 14/09/2021, às 14h24

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