Clássico da literatura infanto-juvenil, Alice no País das Maravilhas é um livro com potencial pedagógico para as aulas de matemática. A obra foi escrita pelo romancista, fotógrafo e também matemático Charles Lutwidge Dodgson, que se tornou mais conhecido pelo pseudônimo de Lewis Carroll.

Dodgson lecionava matemática no Christ College, em Oxford. O livro surgiu enquanto passeava de barco com as filhas do reitor, incluindo a pequena Alice, de dez anos. O tutor foi convidado a contar uma história com absurdos, que anos mais tarde seria colocada no papel e originaria seu maior sucesso literário. “A narrativa traz diversas brincadeiras de lógica e enigmas em um universo infantil e lúdico. Assim, é um livro possível de se trabalhar na escola”, destaca o professor de matemática da Universidade de São Paulo (USP) Antonio Brolezzi. A seguir, ele explica mais sobre a obra e dá dicas de como usá-la.

Leia também: “O homem que calculava”, de Malba Tahan, ensina matemática de forma lúdica

Instituto Claro: O que é a lógica?

Antonio Brolezzi: A lógica é o conjunto das regras do pensamento correto, que define as formas do raciocínio. A matemática foi o primeiro campo do conhecimento a incluir a ideia da demonstração com base na lógica. Aristóteles formalizou as regras da lógica, na Grécia Antiga, mostrando as formas certas de raciocinar. Mas a ideia de demonstração não é somente matemática.

Por que ela é importante nos dias de hoje?

Brolezzi: Porque está relacionada, por exemplo, à interpretação de textos. Saber interpretar as notícias e o discurso de pessoas com ou sem autoridade é importante principalmente nesses tempos de fake news, e considero que a escola pode cuidar um pouco desse saber.

Qual trecho de “Alice” pode ser utilizado para trabalhar a lógica?

Brolezzi: O livro pode ser utilizado tanto por alunos da educação básica quanto na formação de professores de Matemática – algo que faço na licenciatura da USP. Uso a parte da conversa da mesa de chá entre Alice, a lebre, o chapeleiro maluco e o rato, que está dormindo. Eles brincam com ideias de proposições condicionais de forma lúdica. Por exemplo, “eu como o que vejo” é o mesmo que “eu vejo o que como”? Ou “eu respiro quando durmo” é o mesmo que “eu durmo quando respiro”? Nesse trecho, os personagens brincam com a ideia de que a recíproca nem sempre é verdadeira.

Como funciona a proposição condicional?

Brolezzi: Basicamente, se a sentença condicional original for “se A então B”, há três desdobramentos a considerar: A recíproca “se B então A”, que nem sempre concorda com a sentença original; a inversa “se não A, então B” e a contrapositiva “se não B, então não A”. E, então, a contrapositiva será logicamente equivalente à sentença original. Isso é o que está por trás do famoso diálogo na mesa de chá.

Em qual momento da educação básica o ensino de lógica utilizando esse livro pode acontecer?

Brolezzi: Indico entre o 5º e 6º ano do ensino fundamental, em que os alunos estão deixando de ter um professor polivalente e passam a ter um docente específico de cada disciplina. Estarão mais ligados a brincadeiras lógicas e entrarão, em breve, no estudo da álgebra, que nada mais é do que o conjunto de regras sobre coisas conhecidas, por exemplo as operações numéricas, aplicadas a coisas desconhecidas, incógnitas e variáveis.

Além da literatura, você vê possibilidades de uso interdisciplinar com o livro?

Brolezzi: O autor cria o nome dos personagens com truques da língua inglesa, algo que se perde nas traduções para o português. Por exemplo, Dormouse é uma raça de ratos do campo com hábitos noturnos, que Carroll transforma em um rato dorminhoco. Pensar nos truques linguísticos nas aulas de inglês é uma forma de explorar essa interdisciplinaridade.

Além da lógica, há outros conteúdos de matemática que o livro ajuda a ilustrar?

Brolezzi: Ao longo do livro, Alice aumenta e diminui de tamanho, o que mexe com a ideia de grandezas, medidas e proporções. A proporcionalidade, que se resolve com a popular regra de três que usamos para muitos problemas matemáticos, é desenvolvida pelo pensamento proporcional – algo a ser visto no currículo do 7º ao 9º ano do ensino fundamental.

Um trecho famoso é quando Alice bebe algo de um frasco e diminui de tamanho para passar por uma portinha, mas a chave que precisa levar continua em cima da mesa. Por fim, pode-se explorar os enigmas presentes na narrativa. Crianças se atraem pelo desafio de tentar desvendá-los, mais do que se o mesmo conteúdo fosse apresentado em um texto didático.

Há algum material de apoio para o professor usar o livro no ensino de lógica?

Brolezzi: Recomendo o livro “Alice no país dos enigmas: Incríveis problemas lógicos no País das Maravilhas”, de Raymond Smullyan. Ele apresenta enigmas criados com base no contexto da obra, mostrando muitas situações inusitadas que costumam passar despercebidas.

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