O uso de jogos dramáticos no ensino de história pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico e da consciência histórica, benefícios apontados pelo mestre profissional em ensino de história pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) William de Freitas.
“Os jogos dramáticos são atividades que envolvem representação e ‘faz-de-conta’, nos quais os participantes se colocam como ‘fazedores’ de uma situação imaginária. Sua base está na improvisação e na construção de uma narrativa coletiva. Já o objetivo é a vivência da turma, não uma apresentação para um público externo à sala de aula”, resume.
Segundo o mestre em ensino de história pela UFPE Rodrigo Mendonça do Nascimento, ao improvisar uma cena narrando um fato passado, os alunos atribuem sentido a ele. “Ao narrar um fato passado, também estamos o interpretando, principalmente quando você vive um agente da história, que é o que o jogo traz”, explica.
“A dramatização permite preencher lacunas da narrativa, trazendo o passado para o presente sem a obrigação de reproduzi-lo fielmente. Os estudantes não somente memorizam conteúdos, mas constroem sentido a partir das experiências do passado, articulando essas vivências com o presente”, resume Freitas.
Corpo, fala e ação
O uso de jogos dramáticos no ensino de história pode ser realizado via atividades nas quais os alunos precisam construir a história a ser narrada. “Ou seja, eles selecionam personagens, definem contextos temporais e espaciais e, a partir daí, elaboram cenas, diálogos e situações baseadas no conteúdo estudado”, explica Freitas. “Não há uma forma específica de dramatizar, por se tratar justamente de um ‘faz-de-conta’”, complementa Freitas.
Para ele, os jogos dramáticos também destacam a importância do corpo no processo de aprendizagem.
“Ele é um elemento essencial da construção do sentido histórico. Ao ‘viverem’ os personagens e situações históricas com o corpo, os estudantes expressam emoções, assumem posições, constroem significados e aprendem de forma mais profunda e afetiva. Isso rompe com a lógica tradicional de ensino, baseada em escuta e escrita, e valoriza formas múltiplas de se aprender: com o corpo, a fala e a ação”.
Temas sensíveis exigem preparo
Há cuidados que o professor deve ter antes de iniciar os jogos teatrais no ensino de história.
“Os jogos devem estar alinhados com a lógica da ciência histórica, usando fontes, evitando anacronismos, superficialidade, estereótipos e promovendo interpretações coerentes com o contexto”, sintetiza Freitas.
Como também lida com vulnerabilidade e emoções, Nascimento lembra que é preciso cuidar dos limites dos alunos. “O ser humano vai aprendendo sobre o que lhe apetece ou não e até onde ele pode chegar. Isso tem que ser usado também dentro do jogo”, opina.
Autor da dissertação, O teatro do oprimido como ferramenta para o ensino de história de temas sensíveis (2020), ele enfatiza que o professor deve ter cuidado com temas que trazem violência.
“Não se pode apenas chegar com a tortura na ditadura militar para interpretar sem conversar e preparar antes. Dizemos que é um tema sensível porque se sente, e cada pessoa faz isso de uma forma distinta”, pondera Nascimento.
A seguir, conheça cinco jogos dramáticos que podem ser aplicados no ensino de história.
1) Fichas de história
Sugestão de Freitas em sua dissertação “Entre a história e o faz-de-conta: o jogo dramático como proposta para construção de narrativas históricas em sala de aula a partir da didática da história” (2024), funciona de maneira análoga a uma ficha de RPG.
“Porém, enquanto a ficha de RPG registra características individuais do personagem e como ele interage com o cenário e demais sujeitos, a ficha de história foca no conteúdo histórico: contexto, atores sociais, acontecimentos e relações históricas envolvidas”, diferencia Freitas.
Cada ficha contém: tema, fontes utilizadas, descrição do contexto histórico, local e período dos acontecimentos, grupos sociais ou personagens envolvidos, causas e desenvolvimento dos fatos, orientações e regras para a dramatização.
“Após isso, os grupos dramatizam as situações históricas baseadas nas respostas: constroem falas, ações e situações que fazem sentido dentro do contexto estudado, com espaço para improvisação, desde que se respeitem os marcos históricos. Assim, combinam conhecimento e criatividade”, completa Freitas.
Segundo o professor, as fichas de história podem ser aplicadas em praticamente qualquer etapa do ensino e em conteúdos que envolvam sujeitos históricos, conflitos, relações sociais e transformações no tempo.
“É possível propor dramatizações como debates entre grupos sociais, como na revolução francesa; tribunais históricos, como o julgamento de figuras do Brasil colônia; reuniões políticas, como a Conferência de Berlim; noticiários sobre fatos históricos; cenas de resistência, como povos indígenas contra colonizadores; e representações do cotidiano, por exemplo, a vida em um engenho ou cidade medieval”, recomenda.
2) Emprestando a voz
Sugestão presente na dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) “Dinâmicas teatrais no ensino de história linha de pesquisa saberes históricos em diferentes espaços de memória” (2022), de Márcio Rogério de Barros.
No jogo, após pesquisa prévia, os alunos se direcionam aos colegas interpretando e defendendo as ideias de personagens sociais ou históricos. “Envolve poucos alunos de cada vez e não ocupa muito tempo da aula, gerando protagonismo e possibilitando a simulação de momentos e discursos históricos, debates ou confronto de ideias para a turma”, explica o professor.
3) Júri simulado
Nessa sugestão de Barros, o professor define com estudantes um fato histórico a ser dramatizado; como, por exemplo, a Conferência de Berlim para ocupação da África, no período do Imperialismo. Os alunos se dispõem a pesquisar para representar personagens da época e, durante a aula, formam uma mesa redonda ou outra forma de exposição. Eles iniciam os debates, e os colegas interagem como representantes do “povo”, enquanto o professor atua como intermediário.
“Outras possibilidades de temas que podem ser trabalhados são a Conjuração Mineira, para desmistificar a liderança de Tiradentes; a trama do Senado para derrubar Júlio Cesar; a organização do Estado Novo de 1937; o debate da esquerda para enfrentar a ditadura militar de 1964, entre outros”, lista Barros.
“Também é possível julgar personagens históricos, como Napoleão e Getúlio, D. Pedro I, ou uma situação histórica polêmica em evidência”, acrescenta.
4) Esquetes teatrais
É uma encenação curta, geralmente com poucos personagens, que apresenta uma situação ou história de forma rápida. Costuma ter início, meio e fim.
“Serve para tratar de forma criativa e objetiva um episódio importante da história, assim como tratar questões sociais”, explica Barros.
Após a escolha do tema histórico a ser interpretado, os alunos criam o texto e ensaiam, algo que não ocorre em propostas focadas apenas na improvisação. “As falas dos personagens devem ser mais decoradas, não impedindo, no entanto, a improvisação coerente”, orienta Barros.
Ele explica que o andamento de um esquete teatral pode ser diferenciado quando baseado no teatro do oprimido, de Augusto Boal. “Neste caso, a reação da plateia interferirá no seu andamento, sendo necessário estudar as propostas do Teatro-Fórum, Teatro-Jornal, Teatro Legislativo, entre outros”
5) Teatro-Imagem
Uma das técnicas do teatro do oprimido de Augusto Boal, propõe a construção de imagens com os corpos dos participantes para representar uma situação, ideia ou opressão. A cena não usa palavras e pode ser transformada pelo público, estimulando a reflexão coletiva sobre um tema.
“Por exemplo, no caso da ditadura militar de 1964, o grupo cria uma espécie de fotografia ou escultura humana e debatemos com a sala o que eles estão tentando transmitir. Uma aluna pode discordar e, então, é convidada a participar dessa imagem trazendo a sua ideia. Na sequência, outro grupo apresenta o que é a ditadura para eles, mostrando que não existe verdade absoluta, mas a visão de cada um”, ilustra Nascimento.
“O Teatro-Imagem alia o lúdico com o prático e é interessante para estimular a participação de alunos tímidos”, opina.
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