O trabalho coletivo docente permite que os professores troquem experiências, reflitam sobre as necessidades da comunidade escolar e ajudem a articular os conhecimentos de cada disciplina. Dessa forma, é possível promover uma aprendizagem que faça sentido aos estudantes. Mas como incluir os professores nessa dinâmica em um contexto de contratos temporários nas escolas?

“Quando os saberes se aproximam, os estudantes encontram neles relação com suas vivências”, resume a doutora em artes e ex-chefe de unidade regional de educação básica no Distrito Federal Leísa Sasso. “Não existe educação que não seja coletiva. Não se pode pensar que o trabalho de um professor seja independente do que é o projeto da escola”, acrescenta o doutor em educação e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Itamar Mendes da Silva.

Concretizar um trabalho coletivo, porém, exige a permanência dos professores na escola, como aponta a coordenadora da especialização em coordenação pedagógica da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) Sandra Aparecida Risca. “O trabalho coletivo não é apenas uma discussão, mas um projeto de longa duração”, diferencia.

Estado impõe barreiras

A falta de investimentos em educação pelo Estado, porém, impede que o trabalho coletivo entre professores se concretize. Segundo o Censo Escolar de 2019, os contratos temporários atingiam até 4 em cada 10 professores nas redes estaduais.

Risca explica que o contrato temporário, cujo objetivo é cobrir professores afastados, é utilizado pelas redes indiscriminadamente para controle de receita. “Abrir concursos públicos e manter um professor em condições trabalhistas dignas exige recursos. A priorização de contratos temporários revela descomprometimento das secretarias de educação com as escolas”, opina.

Como consequência, os especialistas apontam a perda de qualidade na educação e impedimentos de laços profissionais. “Se a escola tem um grupo de professores estável e recebe um ou dois temporários, há menor impacto. Porém, a realidade mostrou escolas estaduais capixabas chegando até 7 em cada 10 professores em contratos temporários, quando não a própria coordenação pedagógica e a direção não são concursadas”, contextualiza Silva.

“O docente gasta meses para dominar a realidade escolar e acompanhar as dificuldades de cada estudante. Quando consegue, precisa partir e outro sem conhecimentos chega. É um eterno recomeço que prejudica a aprendizagem”, complementa Silva.

Para os professores temporários, o cenário gera instabilidade financeira e emocional. “Eles temem a volta do professor efetivo e a rescisão do contrato. São impedidos de fazer uso de sua voz nas escolas, ficando à mercê da visão dos colegas efetivos, o que impede discussões construtivas”, pontua Sasso.

O contrato temporário também inviabiliza a construção de vínculos profissionais.“Passa a existir, nas escolas, duas categorias de educadores: os efetivos, que se conhecem há mais tempo, ganham mais, possuem benefícios sociais, estabilidade funcional e formação continuada; e um professor de segunda classe, estigmatizado e visto como menos qualificado”, compara Sasso.

O estimulo ao trabalho coletivo também esbarra no fato da maioria dos professores temporários serem remunerados apenas pelas aulas ministradas, não recebendo o correspondente ao horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC), que poderia ser utilizado para reflexões com os pares.

Possibilidades em contexto desafiador

Sendo os contratos temporários um problema estrutural e que exige decisões do Estado, pensar em soluções que passem apenas pela escola exige cautela. “Corre-se o risco de naturalizar o problema e retirar a responsabilidade das secretarias de educação para colocá-la na escola ou nos educadores. A mudança exigiria pressionar o Estado por contratações efetivas”, analisa o doutor em educação e docente na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Breynner Ricardo de Oliveira.

Porém, há práticas que podem minimizar as dificuldades impostas. Convidamos três educadores com experiência em docência, gestão, coordenação pedagógica ou formação docente para refletir sobre o que é possível – e o que é impossível – ser realizado no âmbito escolar. Confira!

1. Projeto Político Pedagógico (PPP)

Silva atuou como diretor de uma escola na periferia de São Bernardo do Campo (SP) na qual, além dos professores temporários, enfrentava rotatividade dos efetivos. Elaborar o PPP em conjunto com a comunidade escolar ajudou a balizar os educadores que chegavam

“O PPP é a base da organização do trabalho docente. Nosso documento pontuava como entendíamos a escola, os estudantes a relação com as famílias, macro informações que todos recebiam”, compartilha.

2. Registro das práticas e evolução discente

Para a professora de matemática na rede pública de Cariacica (ES) Karla Gallini, o professor temporário pode deixar um relatório com as atividades desenvolvidas, destacando os resultados alcançados e as dificuldades encontradas. “Isso é útil para que o próximo professor dê continuidade ao trabalho, identifique áreas de atenção, receba informações sobre habilidades e dificuldades dos alunos e sobre estratégias pedagógicas que funcionaram”, justifica

Para Sasso, o registro detalhado e sistematizado nos diários de classe também contribui. “Uma carta ou diálogo com o próximo professor dos estudantes é recomendável. O problema é que qualquer atividade após a recessão do contrato não será remunerada”, ressalta.

Além dos registros de atividades, Silva conta que sua escola mantinha um material com informações gerais da macro rotina da escola: “Por exemplo, o que fazer em casos de estudantes doentes, como falar com as famílias, horários dos espaços coletivos e locais onde materiais pedagógicos eram armazenados. O objetivo é que o professor não se preocupasse com coisas que poderiam atrapalhar seu trabalho.”

3. Gestão democrática

Em um contexto de impermanência, engajar a comunidade escolar em decisões administrativas e pedagógicas ajuda a criar estabilidade e trabalho coletivo. “A gestão democrática ajuda a dar concretude na escola mas, para não ser um conceito abstrato, necessita de pessoas que deem concretude a ela”, alerta Oliveira.

“É importante um diretor e coordenador pedagógico permanentes para fazer articulação com professores efetivos e temporários, assim como para liderar o grupo e transformar ideias pedagógicas em projetos”, acrescenta.

4. Reunião de apresentação e acolhimento

“Uma reunião de apresentação do novo colega com um cafezinho e bolo é sempre bem-vinda e reverbera em compartilhamentos de experiências que deram certo e dos problemas vividos pelos professores que conhecem a comunidade escolar há mais tempo”, indica Sasso.

“É o momento de conversar sobre a escola, sua história e suas práticas exitosas e também o que não deu certo, para que os erros não se repitam. Procurar saber a trajetória do profissional e se ele precisará de maiores orientações pedagógicas caso não tenha ciência das metodologias e didáticas adotadas”, completa.

5. Reuniões de coordenação do trabalho pedagógico

Sempre que possível e sem onerar o professor temporário, reuniões coletivas e com a coordenação pedagógica ajudam a fomentar um trabalho coletivo e a busca conjunta por soluções.“É importante que o professor temporário se empodere e utilize o espaço e tempo pedagógico de forma a dialogar com os pares também”, sugere Sasso.

Veja mais:

Qual a importância do professor efetivo para a aprendizagem

Desafios da educação no Brasil: 7 temas para prestar atenção em 2023

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