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A biomédica Helena Nader se tornou, em maio deste ano, a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Ciências. Estimular a educação que faz pensar, em vez de entregar respostas prontas, é uma das metas da pesquisadora e professora. A crença de que isso muda a postura das pessoas vem desde a infância, quando teve professores que valorizavam a formação, muito mais do que a mera informação. “Por que que a gente quer um método científico? Não é pra todo mundo ser cientista, mas a ciência te ajuda a compreender o mundo. E pra entender a ciência é só fazendo perguntas”, afirma.

Helena Nader
Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (crédito: reprodução/ Cristina Lacerda)

Desafios futuros

No triênio 2022-2025, Helena Nader tem como prioridades a promoção da pluralidade na ciência e a educação. Para ela, é preciso combater a intromissão de algumas religiões no ambiente escolar. “Você pode dar o nome que quiser para a fé, mas não pode negar os dados científicos. Como que você faz isso? Faz a criança, o adolescente, observar ao redor com exemplos e ele mesmo pode chegar à conclusão”, defende.

No áudio, ela ainda fala sobre a necessidade de valorizar os professores e a importância de pensar na educação como um investimento a longo prazo. “Qualquer recurso que você coloque em educação é investimento, ele vai dar retorno. Não vai dar retorno no período do mandato daquele indivíduo, mas nos anos seguintes. Então, a maioria não gosta dessa ideia de investimento de longo prazo. Mas ou a gente faz isso, ou nós vamos andar para trás”, conclui.

Veja mais:

Lições do velho professor Rubem Alves

Livro aberto – Literatura de almanaque por Marcelo Duarte

Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance” (Reynaldo Bessa) fica de fundo

Helena Nader:
Eu era extremamente curiosa, tive professores excepcionais desde pequena. Todos muito ligados em formação, muito mais do que em informação. E os professores não diziam ‘não, isso não interessa agora’. Não! ‘Vai, vamos lá, vamos pensar como é que a gente pode resolver isso. Pensa, traz uma solução, traz uma proposta’, e assim por diante – desde pequenininha até velhinha, tá certo? Por isso que eu acredito que isso mude a postura das pessoas.
Eu sou Helena Bonciani Nader, sou professora titular da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo – e estrou presidente da Academia Brasileira de Ciências.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Em maio, Helena Nader se tornou a primeira mulher a presidir a centenária Academia Brasileira de Ciências. A educação é uma das prioridades da biomédica, pesquisadora e professora. Para ela, o aprendizado resulta da curiosidade. A escola deve ensinar estudantes a perguntar e buscar informações.

Helena Nader:
A escola pode trazer respostas (em alguns casos ela tem que trazer respostas), mas ela tem que ter em mente, como foco principal, instigar a curiosidade: fazer o jovem, a criança, o adolescente, querer informações. O que eu infelizmente vejo em muitas das escolas no nosso país é a escola matando a curiosidade. Por que a gente quer um método científico, né, o pensar? Não é pra todo mundo ser cientista, mas a ciência te ajuda a compreender o mundo. E pra entender a ciência é só fazendo perguntas. Hoje são apostilas. Apostila não dá resposta de ciência!

Música: “Química” (Renato Russo), com Legião Urbana
Não posso nem tentar me divertir
O tempo inteiro eu tenho que estudar
Fico só pensando se vou conseguir
Passar nesse tal de vestibular

Helena Nader:
A experimentação, o olhar ao redor e ver aquela pergunta que o professor está trazendo, como que ela se contextualiza, seria muito eficiente. Mas, infelizmente, nós não estamos fazendo isso. Nós não estamos formando, na minha opinião, cidadãos. Porque o cidadão – principalmente no século XXI – tem que entender o mundo onde ele está inserido. Eu fico, assim, chocada – e eu acredito que várias dessas pessoas são altamente escolarizadas – como é que alguém ainda lança dúvida sobre se a Terra é redonda ou não? Se a Terra é plana?
Então, em vez de trazer a informação para o estudante, que tal trazer experimentos para ele mesmo ver? ‘Olha, a Terra é redonda!’…

Música: Terra Plana (John Ulhôa), com Fernanda Takai
Se alguém te contar
Que a Terra é plana
E que não dá pro espaço viajar
Será que você vai acreditar?

Não pode ser
Onde é que eu errei?
Como é que isso foi acontecer

Helena Nader:
O Estado brasileiro é laico, mas infelizmente algumas religiões estão se intrometendo na educação. Por que eu estou colocando isso? A evolução não é mais discutida. Você pode dar o nome que você quiser pra fé, mas não pode negar os dados científicos. Como que você faz isso? Faz a criança, o adolescente, observar ao redor com exemplos e ele mesmo pode chegar à conclusão.
Então é nesse sentido que eu vejo que a escola está perdendo uma grande oportunidade de formação. Porque a escola hoje não é informação. A informação ela está aumentando numa escala exponencial. Então, o que que a escola tem que ensinar? Algumas coisas básicas, realmente: leitura, compreensão, conceitos matemáticos elementares e, o restante, viver em equilíbrio com o planeta. E eu vejo que a nossa escola não está fazendo isso.

Marcelo Abud:
Para Nader, é preciso que se valorize professoras e professores e haja investimento nas estruturas das escolas.

Helena Nader:
O número de escolas que não têm janela, o número de escolas que não têm água encanada, que não têm rede… Então, o que nós temos que fazer? Lutar pra que esse quadro se reverta e, ao mesmo tempo, investir nesse professor. Levar pra ele, que está nas condições mais periféricas, com menos recursos, atividades que ele pode fazer de zero ou baixo custo. E eu acho que isso é uma obrigação da universidade pública brasileira.
Com material muito barato, que não precisa nenhum ‘Becker’ altamente sofisticado; nenhum solvente que você não consegue, facilmente, numa farmácia, você monta um pequeno laboratório para poder começar alguns experimentos. Outros, infelizmente, nós não temos, que é o caso de microscópio. Então o que nós fizemos? A gente conseguiu fazer coisas com câmera de celular, que também dá pra ter um aumento.

Marcelo Abud:
Helena Nader afirma que sem educação não tem ciência. E sem investimento a longo prazo não existe educação que forme para a cidadania.

Helena Nader:
E enquanto o Brasil não admitir isso, não vai mudar a educação. Porque o Brasil acha que isso é gasto. Eu acho que qualquer recurso que você coloca em educação é investimento, ele vai dar retorno. Não vai dar retorno no período do mandato daquele indivíduo, mas nos anos seguintes. Então, a maioria não gosta dessa ideia de investimento de longo prazo, mas ou a gente faz isso, ou nós vamos andar para trás.
O Estado brasileiro, um dia, vai ter que acordar e dizer: ‘eu quero ser grande!’. E enquanto o meu cidadão não souber ler e entender o que está lendo, não souber os conceitos mínimos de aritmética e matemática, e como é que ele se insere dentro deste planeta, nós não estamos com cidadãos.

Marcelo Abud:
Na presidência da Academia Brasileira de Ciências até 2025, a pesquisadora está à frente de um grupo de trabalho para priorizar a educação. Segundo ela, o objetivo é começar pela educação básica e juntar os dados que já existem em uma proposta, ao mesmo tempo, única e diversa.

Helena Nader:
Já tem diagnóstico mais do que suficiente e as propostas não vão ser as mesmas em todas as regiões do país. Eu não esqueço uma grande amiga minha, a Vera Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) – ela fazia livros para crianças – e ela dizia: ‘você imagina alfabetizar crianças no Amazonas?’. ‘U’ de uva? Eles nunca viram uma uva; ‘o rio’ dos desenhos são azuis – os rios lá são sempre marrons.
Então, o conteúdo que você quer tem que ser o mesmo, mas a maneira de alcançá-lo tem que ser diversa, porque são diferentes ambientes, com pessoas de diferentes origens, que têm que ter a mesma qualidade, mas respeitado o ambiente onde elas estão inseridas.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Na presidência da Academia Brasileira de Ciências, a meta é estabelecer pontes com a sociedade e lutar cada vez mais pela educação e pela pluralidade na ciência.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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