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Em 1º de outubro de 2020, o governo federal publicou, no Diário Oficial, o decreto nº 10.502, que propõe uma “nova” política nacional de educação especial. Na prática, o texto estimula crianças com deficiência a serem matriculadas em escolas especiais. No final de agosto deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o decreto e realizou audiência pública para debater o assunto. O Ministério da Educação, no entanto, tem defendido o modelo que especialistas ouvidos pelo Instituto Claro consideram um retrocesso.

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Benefícios da convivência

“Esse decreto prevê destinação de recurso público para o financiamento de instituições especializadas para onde essas crianças poderiam ser encaminhadas e teriam ali sua escolarização feita de forma apartada das outras crianças e adolescentes”, explica o fundador do Instituto Rodrigo Mendes, professor e pesquisador em educação inclusiva Rodrigo Hübner Mendes.

A psicóloga especializada em educação infantil e coordenadora adjunta do Instituto Avisa Lá, Cisele Ortiz avalia que a segregação é extremamente negativa: “Juntos, os alunos aprendem a conviver com a diversidade. E isso é um exercício de cidadania, porque todos nós, na verdade, temos as nossas idiossincrasias”. No áudio, Mendes e Ortiz apontam os benefícios trazidos pela convivência de crianças e jovens com e sem deficiência no mesmo ambiente escolar e apontam o que é necessário para que isso seja fortalecido ainda mais.

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Transcrição do Áudio

Música: “O Futuro”, de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Rodrigo Hübner Mendes:
Não há dúvidas de que a gente precisa investir mais na formação dos nossos professores. Na própria infraestrutura das escolas, a gente ainda tem lacunas muito importantes. Agora isso não pode ser desculpa pra gente abandonar a proposta, a concepção da educação inclusiva, e retomar o que existia no passado, que é esconder essas crianças, fechá-las em guetos, como se fazia, em virtude dos desafios que a gente tem pela frente.
Eu sou Rodrigo Hübner Mendes, fundador do Instituto Rodrigo Mendes, professor e pesquisador em educação inclusiva.

Cisele Ortiz:
As crianças também que não têm deficiências muitas vezes não entendem determinado conteúdo da maneira como ele é explicado ou da maneira como ele é tratado, elas precisam de outras formas. Então pensar em diferentes estratégias para uma classe favorece a aprendizagem de todos. Eu acho que esse clima organizacional que um professor propõe pra sua turma, ele pode fazer todas as crianças avançarem. Cada uma no seu ritmo, cada uma da sua forma, mas todas avançam.
Eu sou Cisele Ortiz, coordenadora adjunta do Instituto Avisa lá. Minha formação é de psicologia, com especialização em educação infantil.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Quais os benefícios de se ter alunos com e sem deficiência na mesma sala de aula? Especialistas apontam que a aprendizagem é melhor quando as escolas incluem – verdadeiramente – a todos.
Para Rodrigo Hübner Mendes, um passo importante no fortalecimento deste caminho é a Lei Brasileira de Inclusão, também chamada de estatuto da pessoa com deficiência, que entrou em vigor em 2016.

Rodrigo Hübner Mendes:
Na questão da educação, a LBI diz que a gente deve garantir sistemas educacionais inclusivos em todos os níveis e traz uma novidade importante que é considerar a negativa de matrículas ou a cobrança de taxas ou mensalidades adicionais, nos casos de estudantes com deficiência, como um crime. E, além disso, o estatuto também garante que a criança e o adolescente participem da sala de aula comum e que também tenham acesso aos serviços complementares oferecidos por especialistas, quando necessário.

Marcelo Abud:
Cisele explica quais os benefícios na interação entre alunos com e sem deficiência no mesmo ambiente escolar.

Cisele Ortiz:
Eles aprendem a conviver com a diversidade. Aprender a conviver com a diversidade é um exercício de cidadania, porque todos nós, na verdade, temos as nossas idiossincrasias, digamos assim, as quais a gente tem que saber manejar no cotidiano. Então as crianças com deficiência, jovens com deficiência, na escola, aprendem a se relacionar também no sentido de construir sua autoestima, sua independência… Não são só os vínculos afetivos que estão sendo construídos ali, de parcerias, entre as crianças com e sem deficiência, mas, também, das crianças com deficiência se posicionarem, acharem o seu lugar, o seu modo de ser e de estar naquela comunidade.

Rodrigo Hübner Mendes:
A interação, o contato, o convívio com os demais estudantes é uma variável imprescindível pra que esse estudante seja, de fato, desafiado e tenha aí a oportunidade de alcançar o seu melhor.

Cisele Ortiz:
Então as crianças vão convivendo com diferentes culturas, com diferentes interesses, com diferentes necessidades, com diferentes formas de interagir. Por quê? Porque a escola ela é uma ‘micropossibilidade’ de exercer essa cidadania, que é exercida na sociedade em geral.

Rodrigo Hübner Mendes:
Tudo o que se aprendeu nessas décadas indica que o caminho pra construção da autonomia é o acesso à escola comum, mas com apoio, com investimento nas equipes e com uma atenção constante pra que a aprendizagem, de fato, seja perseguida sempre com altas expectativas pra todo o aluno.

Música: “Aprendi com Paulo Freire” (Darciso Rocha)
Nos educamos todos juntos
E a força deste conjunto
Faz o amanhã que vem!

Marcelo Abud:
O que há em comum entre as escolas que de fato conseguem ser inclusivas?

Cisele Ortiz:
A gente percebe que são escolas que têm uma gestão preocupada com isso e essa gestão ela envolve todos os profissionais. Não são só os professores que recebem a formação, mas são todos os profissionais da escola, que estão atentos, pensando na melhor inclusão para todas as crianças. São os gestores que estão preocupados em organizar os ambientes escolares de modo a atender qualquer deficiência; de pensar nos espaços físicos; na acessibilidade do prédio: dos lavatórios, do refeitório, né? O que que as crianças precisam pra elas serem melhores atendidas ali? Ele envolve: as famílias, para as famílias poderem reconhecer o valor dessa experiência comum de que todas as crianças são capazes de aprender; ele envolve a Secretaria da Educação, que precisa dar suporte pra ele na compra de materiais, equipamentos, enfim, que possam favorecer a aprendizagem de todos.

Marcelo Abud:
No final de 2020 foi proposta uma nova política de educação especial. Na prática, ela retoma o modelo de segregação de pessoas com deficiência.

Rodrigo Hübner Mendes:
Esse decreto prevê destinação de recurso público para o financiamento de instituições especializadas para onde essas crianças poderiam ser encaminhadas e teriam ali sua escolarização feita de forma apartada das outras crianças e adolescentes.

Cisele Ortiz:
A segregação nunca é uma questão positiva. E essas instituições, escolas especiais, têm uma tendência de ser organizações totais, como se a criança, o jovem, lá ele ficasse e lá ele tivesse todas as suas necessidades atendidas no mesmo ambiente, com as mesmas pessoas, dia após dia. Ele pode ter ali uma intervenção cirúrgica em algum problema específico. Mas como é que ele vai lidar com a diversidade nesse sentido? Como é que ele vai ter outro tipo de estimulação?

Rodrigo Hübner Mendes:
Então, a gente mundialmente testou este modelo por décadas. E o que a gente colheu como resultado foi um conjunto aí de gerações de crianças com alguma deficiência, que passavam por essas instituições, e que, raramente, conseguiam conquistar sua autonomia, pelo fato de serem ambientes aonde uma criança com Síndrome de Down, por exemplo, fica ali isolada com mais quatro, cinco crianças com a mesma especificidade. E, com isso, o volume de estímulos é muito limitado.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Apesar das pautas de diversidade e inclusão estarem mais presentes na nossa sociedade, ainda há barreiras que precisam ser superadas. O empenho de todos deve ser para que as políticas públicas permitam a capacitação da comunidade escolar no oferecimento de uma educação realmente para todos.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

 

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