“Ser pessoa com deficiência (PCD) e LGBTI+ é estar na intersecção entre dois grupos vulneráveis”. É assim que a criadora da Fundação Selma, instituição que faz o atendimento a pessoas com limitações de mobilidade, e membro do coletivo “Todos Pela Acessibilidade”, Selma Rodeguero, 41 anos, define sua experiência como usuária de cadeira de rodas e lésbica.

Para ela, tal cruzamento agrava um comportamento comum na sociedade: enxergar a PCD como assexuada – aquele que não possui ou parece não possuir vida sexual.

“Se eu estivesse com uma namorada em um shopping, as pessoas pensariam se tratar de uma cuidadora. Se nos beijássemos, elas iriam se assustar. Voltariam para casa pensando nisso”, brinca.

Kollinnn Benvenutti, homem trans bissexual (Crédito: acervo pessoal)

Homem trans e bissexual, o técnico em informática Kollinnn Benvenutti, 23 anos, concorda. “Não somos vistos com autonomia para ter identidade de gênero e sexualidade. Assim, nosso debate ultrapassa a acessibilidade física para a social, visando inserção sem sermos infantilizados”, resume.

Ser PCD e LGBTI é também ser vulnerável a dois tipos de preconceitos. Rodeguero, por exemplo, considera-se ‘melhor resolvida’ como lésbica. “Tenho orgulho de ser ‘sapatão’. Quando sei que há pessoas homofóbicas em um ambiente, busco o meu espaço”, garante. “Em contrapartida, percebo que questões relacionadas à deficiência me atingem e magoam mais, como a falta de acessibilidade”, exemplifica.

Já para Benvenutti, estar nos dois segmentos traz problemas práticos à sua rotina, como dificuldades para usar a faixa que comprime os seios. “Utilizo porque a sociedade está despreparada para ver homens com seios. Mas a limitação física faz com que eu necessite de ajuda para colocar a faixa diariamente”, lamenta ele, que criou uma vaquinha virtual para financiar uma cirurgia de retirada das mamas.

Pablo Busatto é um homem gay e tem paralisia cerebral (Crédito: acervo pessoal)

Para o químico com paralisia cerebral e homem gay, Pablo Busatto, 31 anos, a falta de representatividade dessa população nas mídias é outra problemática. Contudo, ele acredita que o quadro está mudando com as redes sociais.

“Recentemente, conheci o trabalho do artista Victor di Marco e gosto como ele trata os temas de homofobia e capacitismo no Instagram”, recomenda.

“Destaco também o filme brasileiro ‘Não quero voltar sozinho’, primeiramente disponibilizado como um curta-metragem na internet. Fico feliz e me sinto representado com obras do gênero”, compartilha.

Educando os pares

Ser uma pessoa LGBTI+ na comunidade PCD pode ser desafiador, assim como o inverso também ocorre. Busatto, por exemplo, considera-se melhor acolhido como homem gay entre PCDs. “Sinto que tem mais abertura e não lembro de sofrer preconceito. Parecer haver mais empatia”, opina.

Na contramão, ser PCD na comunidade LGBTI+ é apontado como mais desafiador. “Os espaços não têm acessibilidade, já tive namorados que não queriam ser vistos comigo em público ou que ouviam dos amigos que estavam ‘fazendo caridade’ por assumir uma relação com usuário de cadeira de rodas”, relata.

Opinião semelhante têm Rodeguero.  “Falta informação na comunidade LGBTI+ sobre inclusão da mesma forma que em outros setores da sociedade”, analisa.

Isso, não raro, obriga a PCD a educar seus amigos LGBTI+ sobre capacitismo – termo usado para exclusão, preconceito e inacessibilidade física ou social das pessoas com deficiência.

“Quando estou em uma balada LGBTQIA+, homens e mulheres cis [quem se identifica com seu sexo de nascimento] me tratam como se eu fosse um exemplo de superação por estar dançando em uma cadeira de rodas. Não faz sentido, pois não me conhecem além da deficiência”, pondera Benvenutti.

Selma Rodeguero, mulher lésbica cadeirante (Crédito: acervo pessoal)

Em termos de investidas amorosas, Rodeguero considera que, entre as lésbicas, a aproximação frente a uma PCD é maior. “Amigos gays cadeirantes me relatam se sentirem menos aceitos entre os homens”, conta.

Também podem ocorrer situações de lgbtifobia em ambientes de PCDs, ainda que com frequência rara. “Já sofri de transfobia velada e até uma exclusão nesse segmento. Porém, não posso pegar minha experiência e dizer que a comunidade inteira é assim”, relativiza Benvenutti.

Para ele, ainda é necessário entender que um mesmo grupo pode ter diversos recortes em seu interior. “Essa conscientização vale para ambas comunidades: LGBTI+ e PCDs”, conclui.

Veja mais:

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